domingo, 6 de fevereiro de 2011

Após crise, sociedade espera transparência e moralidade na ALEP

Deputados estaduais tomam posse com a missão de resgatar credibilidade e dar mais clareza à atividade parlamentar.
Quase um ano depois de a Assembleia Legislativa do Paraná enfrentar a maior crise institucional da sua história, os 54 deputados que tomam posse no dia 01º de fevereiro terão a responsabilidade de dar à Casa a transparência e a moralidade cobradas pela sociedade. Medidas como a publicação na internet de todos os gastos e contratos do Legislativo estadual e a realização de concurso público para reduzir o número de comissionados são consideradas fundamentais para pôr fim ao patrimonialismo com que a Assembleia foi administrada nas últimas décadas.
Sem a participação direta da sociedade paranaense nesse processo, porém, dificilmente as mudanças serão implantadas. Afinal, afirmam cientistas políticos, não há interesse dos deputados - ao menos de grande parte deles - em alterar o modo como a atividade parlamentar funciona hoje.
Conforme mostrou a série de reportagens Diários Secretos, da Gazeta do Povo e da RPC TV, ao longo de 2010, um esquema de contratação de funcionários fantasmas mantido durante anos desviou pelo menos R$ 100 milhões da Assembleia, segundo o Ministério Público Estadual (MP). No entanto, de acordo com o presidente da Casa, Nelson Justus (DEM), ele já estava caminhando no sentido de modernizar e dar transparência aos atos do Legislativo estadual quando as denúncias começaram a ser divulgadas. "Deixo um legado de compromisso com a ética e a transparência. A próxima Mesa [Diretora] herdará uma nova Assembleia", declarou, em uma das últimas sessões do ano passado.
Para especialistas em Ciência Política, porém, o discurso de Justus não condiz com a realidade da Casa. As ações adotadas pelos deputados ainda estão muito distantes do ideal no quesito transparência, principalmente na comparação com a maioria das assembleias do país.
Mais transparência
O professor de Ciência Política do Grupo Uninter Luiz Domingos Costa destaca que a medida mais básica e que já deveria ter sido adotada há muito tempo diz respeito ao uso da internet para divulgar maior quantidade de informações. Ele cita diversos estudos acadêmicos que colocam a Assembleia do Paraná como uma das piores do país em relação a sites dos legislativos estaduais. "O site do Legislativo paranaense é precário em informações. Não há dados da biografia dos deputados, o placar das votações, a presença nas sessões. É preciso estar sintonizado com as novas ferramentas de participação política e popular", defende. "Ao mesmo tempo, deve haver uma reestruturação informacional interna que ponha fim aos procedimentos precários que a Casa tem hoje. Mas isso depende de vontade política, que não existe entre os deputados."
Atualmente, o Portal da Transparência da Assembleia do Paraná divulga apenas como cada parlamentar gasta a verba de gabinete de R$ 15 mil a que tem direito mensalmente para custear o mandato. Não há, por exemplo, informações sobre as despesas do setor administrativo nem sobre os contratos da Casa. "Tudo o que o Justus fez na presidência, como a instalação do painel eletrônico e da TV Sinal, foi apenas o cumprimento de coisas básicas. Não podemos falar em avanço, mas em medidas que, de certa forma, correram atrás do prejuízo", avalia Costa.
O discurso é seguido pelo professor de Ciência Política da UFPR Ricardo Costa de Oliveira. "O que mais interessa, que é a transparência dos recursos, não está sendo revelado. A Assembleia é uma instituição do tempo pré-moderno, da pré-legalidade", critica. "Há uma relação de poder pessoal na Casa que causou um rombo enorme. E não foi apenas um pequeno deslize. Há muito a ser feito sobre transparência ainda."
Um sinal de mudança nesse sentido, avalia Oliveira, será a entrada em vigor da Lei da Transparência, elaborada pelo movimento "O Paraná que Queremos" em virtude das denúncias da série Diários Secretos. A partir de abril, todas as instituições públicas do Paraná, incluindo a Assembleia, deverão publicar na internet todos os atos que gerem despesas aos cofres públicos.
O professor da UFPR diz ainda que a falta de controle sobre a grande quantidade de comissionados da Casa - que pode chegar a 2.113 se todas as vagas disponíveis forem preenchidas - abre brechas para a nomeação de fantasmas. "O concurso público seria uma saída, até para tornar o corpo técnico da Casa mais qualificado", argumenta.
Cientistas defendem isenção e cobrança
Para uma atuação clara, é preciso que os deputados estaduais saiam do jugo do governador e atuem com mais independência em relação ao Executivo. O professor de Ciência Política do Grupo Uninter Luiz Domingos Costa critica o fato de os parlamentares se preocuparem apenas com cargos cedidos pelo governo do estado para nomear aliados e com a quantidade de recursos orçamentários que terão em mãos, tornando-se reféns - de maneira consciente e em busca de interesses pessoais - das decisões do governador. "Não há imposição de derrotas ao governador porque os deputados são apenas coadjuvantes das decisões do Executivo. Isso enfraquece o papel da Assembleia como fiscalizadora e coautora das decisões estaduais", avalia.
Já o professor da UFPR Ricardo Costa de Oliveira ressalta a importância de a sociedade cobrar o fim da promiscuidade e da cumplicidade entre os três poderes do Estado. Ele cita como exemplo a falta de fiscalização do Ministério Público, do Tribunal de Contas e do Tribunal de Justiça esta¬duais em relação aos atos da Assembleia, que permitiu o desvio de milhões de reais ao longo de anos. "Os poderes se protegem em vez de se fiscalizarem e de funcionarem de maneira independente. Como ninguém viu o caso da Assembleia?", questiona. "Devemos cobrar transparência, produtividade e modernidade das instituições para que situações como essa não se repitam. Cumpra-se a Constituição e as instituições irão funcionar como devem."
"Mudanças como essas não estão na ordem do dia dos deputados. Elas só vão acontecer se houver interesse da população. Só assim a Assembleia vai readquirir confiança junto à população", reforça o professor Domingos Costa.
Propostas
Veja quais são as mudanças necessárias na Assembleia, segundo cientistas políticos:
Mais transparência
- Divulgação dos gastos administrativos e dos contratos de maneira detalhada e atualizada, e não apenas das despesas de gabinete de cada parlamentar.
- Cumprimento à Lei Complementar 131/2009, que exige a divulgação "em tempo real" de receitas e despesas.
- Publicação na internet da biografia e da presença dos deputados nas sessões e do placar de votação dos projetos em plenário.
- Divulgação da ordem do dia com ao menos uma semana de antecedência.
Realização de concurso público
- Efetivação de um quadro técnico na Casa para trabalhar no setor administrativo e nas comissões, diminuindo o número de comissionados.
Fiscalização eficiente
- Atuação incisiva na fiscalização do Executivo e da própria Assembleia, sobretudo para coibir casos de corrupção.
Independência dos poderes
- Exigir menos interferência do Executivo nas decisões da Casa e, dessa forma, permitir maior debate dos projetos em plenário, contando também com a participação dos deputados de oposição.
O Paraná que Queremos
Medidas propostas pelo movimento
- Contratação de empresa renomada de consultoria para revisão da estrutura de cargos.
- Aprovação de norma que determine o preenchimento de cargos administrativos exclusivamente com servidores concursados.
- Aprovação de norma que estabeleça mandato fixo, não coincidentemente com o mandato parlamentar, para os cargos de direção administrativa, com possibilidade de apenas uma recondução.
Fonte: Gazeta do Povo
30/01

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